quarta-feira, 26 de abril de 2017

"Fair Play"


Em 12 de julho de 1998, aos 30 minutos do segundo tempo, com o jogo final em 2 a 0 para a França, o meia Rivaldo decidiu devolver a bola para os oponentes. O resultado disso foi que Edmundo quase agrediu o autor da cortesia. Comentando o jogo para a Rede Globo, Romário fez eco à fúria do animal e ainda duvidou da contusão de Zidane, que estava caído no gramado. Recentemente, no programa Bola da Vez, da ESPN, o baixinho voltou a criticar o fair play, mais especificamente em uma situação envolvendo Rodrigo Caio e Jô. Pelo menos a distância de quase vinte anos nos permite ver que Romário é fiel às suas convicções.
O ano de 2014 arquivou um lance bem inusitado. Um jogador do Dinamo Tbilisi, da Georgia, se contundiu e necessitou que o jogo fosse parado. O rival jogou a bola para que isso acontecesse. No entanto, quando foi devolver o gesto, o meia Xisco Muñoz, do Dinamo, deu um chutão e encobriu o goleiro do outro time. Gol involuntário. A solução foi deixar que o adversário fizesse o gol de empate para reparar o acidente.
A expressão inglesa “fair play” quer dizer jogo limpo. Isso se encaixaria de várias maneiras no mundo do futebol. Poderíamos afirmar que é jogo limpo, por exemplo, preservar a integridade física do colega de profissão, devolver a bola depois de um gesto de solidariedade, socorrer o adversário em um acidente e manter a esportividade diante de resultados adversos. E nem sempre é o que vemos no mundo das quatro linhas. Por esse motivo, um gesto como o de Rodrigo Caio, zagueiro do São Paulo, que informou o juiz sobre uma questão que o desfavorecia, é tão incomum. Deveria ser regra, coisa corriqueira.
Segundo informações da mídia, observamos apoio e descontentamento dentro do próprio São Paulo. Alguns jornalistas informaram sobre o ataque de fúria de Rogério Ceni depois do intervalo, quando o tricolor já perdia por 2 a 0. E também há a declaração de Maicon, que afirmou preferia ver a mãe do adversário do que a dele, em desaprovação ao gesto de seu companheiro de zaga. O destempero se ampara no fato de que Jô estaria suspenso se Rodrigo não tivesse alertado o juiz. Como em uma tragédia grega, o autor do gol do Corinthians (em impedimento) foi Jô. Depois disso, a imprensa pediu a Ceni que dissesse se Jô teria que ter fair play no lance. Insinuavam que o atacante teria que se acusar na irregularidade. Seria possível? Ou você pensa que um jogador seja capaz de medir um lance de centímetros de infração em todos os lances equivocados?
A verdade é que os dirigentes, torcedores, a mídia e jogadores deixaram que o futebol virasse uma batalha campal. Eu não acredito que o futebol seja um mero esporte, mas não creio que cada jogo e cada lance controverso tenha que ganhar ares de batalha entre Trump e Kim Jong-Un. O esporte bretão necessita de uma leveza bem maior.
Também não é saudável se render ao lado extremo do politicamente correto. Os gols de qualquer tipo (exceto com a mão), um drible desconcertante, canetas, balões e o drible da foquinha (lembram do Kerlon?) são parte do repertório do futebol como arte. E tem que esbraveje contra isso e contra certos tipos de comemoração. Garrincha não se criaria nesses mundos alternativos que o politicamente correto extremo gera. Ser desonesto de forma deliberada é que não faz bem ao mundo do futebol. Mais Rodrigos Caios, menos Del Neros.


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