Em 12 de julho de 1998, aos
30 minutos do segundo tempo, com o jogo final em 2 a 0 para a França, o meia
Rivaldo decidiu devolver a bola para os oponentes. O resultado disso foi que
Edmundo quase agrediu o autor da cortesia. Comentando o jogo para a Rede Globo,
Romário fez eco à fúria do animal e ainda duvidou da contusão de Zidane, que
estava caído no gramado. Recentemente, no programa Bola da Vez, da ESPN, o
baixinho voltou a criticar o fair play, mais especificamente em uma situação envolvendo
Rodrigo Caio e Jô. Pelo menos a distância de quase vinte anos nos permite ver
que Romário é fiel às suas convicções.
O ano de 2014 arquivou um
lance bem inusitado. Um jogador do Dinamo Tbilisi, da Georgia, se contundiu e
necessitou que o jogo fosse parado. O rival jogou a bola para que isso
acontecesse. No entanto, quando foi devolver o gesto, o meia Xisco Muñoz, do
Dinamo, deu um chutão e encobriu o goleiro do outro time. Gol involuntário. A
solução foi deixar que o adversário fizesse o gol de empate para reparar o acidente.
A expressão inglesa “fair
play” quer dizer jogo limpo. Isso se encaixaria de várias maneiras no mundo do
futebol. Poderíamos afirmar que é jogo limpo, por exemplo, preservar a
integridade física do colega de profissão, devolver a bola depois de um gesto
de solidariedade, socorrer o adversário em um acidente e manter a esportividade
diante de resultados adversos. E nem sempre é o que vemos no mundo das quatro
linhas. Por esse motivo, um gesto como o de Rodrigo Caio, zagueiro do São
Paulo, que informou o juiz sobre uma questão que o desfavorecia, é tão incomum.
Deveria ser regra, coisa corriqueira.
Segundo informações da
mídia, observamos apoio e descontentamento dentro do próprio São Paulo. Alguns jornalistas
informaram sobre o ataque de fúria de Rogério Ceni depois do intervalo, quando
o tricolor já perdia por 2 a 0. E também há a declaração de Maicon, que afirmou
preferia ver a mãe do adversário do que a dele, em desaprovação ao gesto de seu
companheiro de zaga. O destempero se ampara no fato de que Jô estaria suspenso
se Rodrigo não tivesse alertado o juiz. Como em uma tragédia grega, o autor do
gol do Corinthians (em impedimento) foi Jô. Depois disso, a imprensa pediu a
Ceni que dissesse se Jô teria que ter fair play no lance. Insinuavam que o
atacante teria que se acusar na irregularidade. Seria possível? Ou você pensa
que um jogador seja capaz de medir um lance de centímetros de infração em todos
os lances equivocados?
A verdade é que os
dirigentes, torcedores, a mídia e jogadores deixaram que o futebol virasse uma
batalha campal. Eu não acredito que o futebol seja um mero esporte, mas não creio
que cada jogo e cada lance controverso tenha que ganhar ares de batalha entre
Trump e Kim Jong-Un. O esporte bretão necessita de uma leveza bem maior.
Também não é saudável se
render ao lado extremo do politicamente correto. Os gols de qualquer tipo (exceto
com a mão), um drible desconcertante, canetas, balões e o drible da foquinha
(lembram do Kerlon?) são parte do repertório do futebol como arte. E tem que
esbraveje contra isso e contra certos tipos de comemoração. Garrincha não se
criaria nesses mundos alternativos que o politicamente correto extremo gera.
Ser desonesto de forma deliberada é que não faz bem ao mundo do futebol. Mais
Rodrigos Caios, menos Del Neros.
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