quinta-feira, 11 de maio de 2017

Fios Desencapados


Assim como possui a capacidade de gerar craques para o mundo da bola, o Brasil sempre foi um berço inesgotável para jogadores tarimbados na arte da confusão. Caso seja solicitado que se enumerem alguns nomes, os mais jovens citarão, sem pestanejar, três atletas experientes que agora se encontram, respectivamente, nos elencos da Ponte Preta e do Vasco, Rodrigo, Emerson Sheik e Luis Fabiano. 
O zagueiro Rodrigo se notabilizou pelas provocações que costuma fazer aos adversários, dentro e fora de campo. Além disso, é um jogador que costuma exercer uma influência negativa nos elencos que integra. A verdade é tanta que a primeira providência tomada por Milton Mendes, o técnico novo do Vasco, foi tirar-lhe a faixa de capitão e, muito provavelmente, iniciar o processo de fritura que o faria assinar com a Ponte Preta para a disputa da série A 2017.
Luis Fabiano, em seu período no São Paulo, ganhou a fama por não aceitar passivamente as marcações dos árbitros, por simulações, faltas bizarras e uma briga generalizada contra o River Plate, em 2003, na Copa Sul-Americana. O atacante acumula dezenove cartões vermelhos em sua trajetória como profissional. A ausência de inteligência emocional faz com que sua presença nos noventa minutos seja sempre uma incógnita.
Conhecido no Brasil somente depois dos trinta anos de idade (pois fez a maior parte de sua carreira no Japão e no Qatar), Emerson Sheik também é um atleta marcado por um histórico de confusões grotescas. Sheik já saiu vociferando nos microfones da Globo contra a Confederação Brasileira de Futebol, foi demitido por ter cantado o “Bonde do Mengão sem Freio” no ônibus do Fluminense, xingou acintosamente um juiz, foi desmascarado como um “gato” do futebol e acabou vítima da torcida corintiana quando beijou um amigo. Não há uma única passagem por clubes brasileiros em que Emerson não tenha deixado alguma história de desavença.
E não será nada surpreendente se alguns falarem de Felipe Melo e seus descontroles.
Outros lembrarão de episódios isolados, como o que André Luiz, na época no Botafogo, protagonizou. Em um jogo contra o Estudiantes, em 2008, o zagueiro tirou o cartão amarelo e o aplicou no juiz Carlos Chandía. O motivo da revolta de André tinha sido o erro do juiz, que se equivocou com o verdadeiro culpado e aplicou erroneamente o amarelo nele (que já tinha um por falta).
Talvez lembrem ainda do ringue de batalha aberto pelo volante Dinho e pelo meia Válber, que atuavam por Grêmio e Palmeiras. Na noite do dia 26 de julho de 1995, após uma tentativa de cabeçada do volante gremista, o meia palmeirense ficou rolando no gramado do Estádio Olímpico. O resultado foi a expulsão de ambos. E engana-se quem pensa que a desinteligência acabou aí. Depois da retirada de campo, começou um festival de voadoras e tapas de Dinho e do goleiro Danrlei (outra figurinha carimbada da década de 1990) em cima de Válber. Só a Polícia Militar conseguiu encerrar esse embate paralelo.  
O termo Bad Boy passou a ser utilizado para nomear uma gama de jogadores de difícil trato que se estabeleceram entre o fim da década de 80 e meados de 1990. Viola, Paulo Nunes, Renato Gaúcho, Djalminha, Marcelinho Carioca e outros foram encaixados e fizeram jus ao rótulo. No entanto, quando o termo é evocado, os primeiros exemplos que se manifestam com destaque são Romário e Edmundo, que eram igualmente craques em arranjar tumultos. Teve até funk para representar o movimento que eles abraçaram com gosto. E foram vários entreveros que merecem destaque e são bem maiores que esse texto. Pode ser que um próximo volume desse título dê conta de descrevê-los. Pelo mesmo motivo eu deixarei Serginho Chulapa no banco.
No entanto, o maior encrenqueiro do futebol brasileiro foi réu confesso. Ele não está mais entre os vivos desde 1973. O próprio se classificava como um marginal. Nelson Rodrigues o chamava de “O Divino Delinquente”. Tratava todos os de seu convívio muito bem. Era alguém capaz de tirar a própria roupa do corpo para ajudar alguém necessitado. Até mesmo quem não conhecia. E esse foi o enredo que desembocou em sua morte.
Ele se transformava em outra pessoa quando entrava em campo. Apesar de merecer envergar o uniforme da seleção muito mais vezes, por conta de seu gênio irascível, ele só atuou em sete ocasiões pelo escrete canarinho. O jogador foi conhecido como Pernambuquinho, “Pelé Branco” ou simplesmente Almir.
Almir atuou por Sport, Vasco, Corinthians, Boca, Fiorentina, Genoa, Santos, Flamengo e América-RJ. E arrumou barracos antológicos por todas as equipes anteriores. Jogo com o Pernambuquinho jamais acabava zerado em termos de tumulto.
Ainda em início de carreira, pelo Sport, ele mirou bem um torcedor que o xingava das arquibancadas, esperou o jogo terminar e o perseguiu até surrar o mesmo fora do estádio.
Em 1959, atuando pela seleção brasileira, Almir arranjou uma batalha campal com os jogadores do Uruguai. Uma pancadaria que acabou ficando mais conhecida do que o resultado do jogo e a importância do torneio, que nada mais era do que um Sul-Americano.
Na Taça Intercontinental de 1963, vestindo a camisa do Santos, ele liderou uma verdadeira caçada a Amarildo, o Possesso, que atuando pelo Milan, o adversário daquela final, caiu na besteira de declarar aos jornais italianos que Pelé estava acabado para o futebol. Almir julgaria aquele ato como imperdoável. Só Deus era maior na cabeça do Pernambuquinho. Embora Almir tenha sido a melhor figura do jogo, o certame acabou em um espetáculo recheado de rapapés, tesouras e chegadas mais que viris. E tudo com a conivência do homem de preto.  
E a maior de todas as desordens veio quando Almir atuava pelo Flamengo, em 1966. Com o intuito de evitar que o Bangu, que já vencia por 3 a 0, ampliasse a goleada, Almir partiu para cima dos alvirrubros a fim de evitar que eles dessem a volta olímpica no Maracanã com aquela pompa. O saldo foi de cinco expulsos no Flamengo e quatro para o Bangu, que viu o jogo ser encerrado por falta de material humano e não comemorou como campeão no Mário Filho.
Apesar de toda sua qualidade como atacante, totalizou apenas onze anos como profissional. Por causa de suas jornadas com o álcool, com pouco mais de 30 anos, Almir já tinha a aparência de um velho.
Já aposentado, na Galeria Alaska, em Copacabana, ao defender do deboche um grupo de atores gays do Dzi Croquetes, Almir tomou dois tiros. Faleceu ali uma lenda da época de ouro do futebol brasileiro. Morreu um homem valente que foi muito mais conhecido pelos defeitos do que pelas virtudes.

                                          Flamengo 0 x 3 Bangu - Decisão Campeonato carioca - 1966
                                          Libertadores 1995 - Dinho Vs Valber
                                          Jogador André Luiz da cartão amarelo para juiz
                                          

RECOMENDAÇÕES: “Eu e o Futebol”, de Almir Pernambuquinho, Biblioteca Esportiva Placar (1973)




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