“Se vaidade ganhasse jogo o Ronaldo
tinha ido com os travesti bonitão pro jogo e não pro motel , pô!”, NETO
Nelson
Rodrigues e Armando Nogueira foram comentaristas de futebol que fizeram o jogo
parecer peças literárias. Com vocabulários rebuscados e frases de efeito, as figuras
de linguagem faziam com que os passes de 50 metros, dribles desconcertantes,
tabelinhas e gols de placa parecessem coisa sobrenatural. Os comentários da
dupla figurariam sem nenhum favor nos melhores poemas. Um exercício que
engrandecia e ajudava a ampliar a mística do esporte bretão. Futebol podia ser
tão leve e plástico quanto a movimentação do ballet.
“Não
tínhamos rainhas, nem Câmara de Comuns, nem lordes Nelsons. Mas tínhamos
Garrincha”, dizia Nelson, sobre o Anjo das Pernas Tortas. “Tu, em campo,
parecias tantos, e, no entanto, que encanto! Eras um só, Nílton Santos”, escrevia
Armando sobre Nilton Santos, a Enciclopédia do Futebol. Os comentários se
elevavam ao nível da arte praticada nas quatro linhas do campo.
As
TVs abertas e as fechadas do Brasil têm centenas de comentaristas esportivos
para dar suporte nos milhares de certames espalhados pelo mundo. Elas
transmitem o futebol italiano, espanhol, inglês, alemão, holandês, português e,
quando sobra algum tempinho, as partidas de nossos times locais.
E
quem são os nossos Nelsons de hoje? Onde estão os nossos Armandos?
A
poesia moderna talvez esteja no conhecimento maciço e na sobriedade de um Paulo
Vinicius Coelho. Uma estrofe inspirada pode surgir nas bocas de um Mauro
Beting, um Lédio Carmona, Junior ou de um Juninho Pernambucano. Ou em um relevante
verso recitado por um Caio Ribeiro ou um Casagrande.
Chego
a esse parágrafo inclinado a afirmar que quase não existe poesia nas descrições
de nossas epopeias futebolísticas. A maior parte dos comentaristas atuais
também acompanha a crise técnica de nosso futebol. Eles dominam bolas nas
canelas e erram passes de um metro com a maior desfaçatez. A poesia parece ter
saído de cena para dar lugar ao FEBEAPA (Festival de besteiras que assola o país),
do saudoso Sérgio Porto/ Stainslaw Ponte Preta.
Ser
um craque em campo não significa que o analista de futebol fará o mesmo com
suas palavras. Basta recordar Rivellino fazendo suas intervenções, onde o
ex-jogador só sabia incensar as habilidades de quem sabia bater de “três dedos”
em uma bola ou de quem tinha o dom de cobrar bem as faltas. Temos ainda os
palpites furados e a falta de noção de Pelé. Ou o monossilabismo envergonhado de
Ronaldo Fenômeno.
Na
categoria “best sellers” da classe, nós temos o inacreditável Neto e o inverossímil
Roger Flores. Ambos tornaram-se comentaristas depois do fim de carreiras
irregulares no futebol. Criticam e despedaçam atletas como se tivessem sido
exemplos do esporte.
Em
uma interferência durante um jogo do Fluminense, seu ex-clube, Roger chegou a
dizer que o volante tricolor Edinho precisaria de um revólver calibre 38 para
matar uma bola. Flores também tem a mania de revelar detalhes dos bastidores e
manhas de jogadores em campo, o que é muito mal digerido pela categoria.
Já
o autoproclamado craque Neto arrumou encrencas com o goleiro Marcos, com
Belletti (que se tornou um profissional bem melhor que ele nesse quesito), com
o elenco do São Paulo, com o zagueiro Lúcio, com os próprios colegas de
profissão (chamou-os de frouxos), etc. O caso dele com Belletti é um capítulo a
parte. Já trabalhando pela Band nos jogos do Campeonato Espanhol, na época em
que Ronaldinho Gaúcho, Giuly e Eto´o lideravam o esquadrão do Barcelona, Neto
fazia questão de ser indelicado com Belletti. Cada vez que o meia pegava na
bola, o comentarista fazia barulhos irônicos e muxoxos contrariados. A ação
resultou em negação de entrevistas à emissora por parte do elenco do Barcelona.
E a cereja do bolo são as violências que o ex-corintiano comete com a língua
portuguesa. E pensar que essa prepotência é construída só com dois ou três anos
de futebol acima da média no Corinthians.
Dois
caminhões de demolição em um terreno que necessita de um veículo com mais jogo
de direção. O telespectador precisa de mais poesia e menos gritaria em um jogo
local que já é terra dizimada.
Texto muito bom, André. Parabéns.
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