terça-feira, 22 de março de 2016

"Comentaristas de Futebol"



“Se vaidade ganhasse jogo o Ronaldo tinha ido com os travesti bonitão pro jogo e não pro motel , pô!”, NETO

Nelson Rodrigues e Armando Nogueira foram comentaristas de futebol que fizeram o jogo parecer peças literárias. Com vocabulários rebuscados e frases de efeito, as figuras de linguagem faziam com que os passes de 50 metros, dribles desconcertantes, tabelinhas e gols de placa parecessem coisa sobrenatural. Os comentários da dupla figurariam sem nenhum favor nos melhores poemas. Um exercício que engrandecia e ajudava a ampliar a mística do esporte bretão. Futebol podia ser tão leve e plástico quanto a movimentação do ballet.
“Não tínhamos rainhas, nem Câmara de Comuns, nem lordes Nelsons. Mas tínhamos Garrincha”, dizia Nelson, sobre o Anjo das Pernas Tortas. “Tu, em campo, parecias tantos, e, no entanto, que encanto! Eras um só, Nílton Santos”, escrevia Armando sobre Nilton Santos, a Enciclopédia do Futebol. Os comentários se elevavam ao nível da arte praticada nas quatro linhas do campo.
As TVs abertas e as fechadas do Brasil têm centenas de comentaristas esportivos para dar suporte nos milhares de certames espalhados pelo mundo. Elas transmitem o futebol italiano, espanhol, inglês, alemão, holandês, português e, quando sobra algum tempinho, as partidas de nossos times locais.
E quem são os nossos Nelsons de hoje? Onde estão os nossos Armandos?
A poesia moderna talvez esteja no conhecimento maciço e na sobriedade de um Paulo Vinicius Coelho. Uma estrofe inspirada pode surgir nas bocas de um Mauro Beting, um Lédio Carmona, Junior ou de um Juninho Pernambucano. Ou em um relevante verso recitado por um Caio Ribeiro ou um Casagrande.
Chego a esse parágrafo inclinado a afirmar que quase não existe poesia nas descrições de nossas epopeias futebolísticas. A maior parte dos comentaristas atuais também acompanha a crise técnica de nosso futebol. Eles dominam bolas nas canelas e erram passes de um metro com a maior desfaçatez. A poesia parece ter saído de cena para dar lugar ao FEBEAPA (Festival de besteiras que assola o país), do saudoso Sérgio Porto/ Stainslaw Ponte Preta.
Ser um craque em campo não significa que o analista de futebol fará o mesmo com suas palavras. Basta recordar Rivellino fazendo suas intervenções, onde o ex-jogador só sabia incensar as habilidades de quem sabia bater de “três dedos” em uma bola ou de quem tinha o dom de cobrar bem as faltas. Temos ainda os palpites furados e a falta de noção de Pelé. Ou o monossilabismo envergonhado de Ronaldo Fenômeno.
Na categoria “best sellers” da classe, nós temos o inacreditável Neto e o inverossímil Roger Flores. Ambos tornaram-se comentaristas depois do fim de carreiras irregulares no futebol. Criticam e despedaçam atletas como se tivessem sido exemplos do esporte.
Em uma interferência durante um jogo do Fluminense, seu ex-clube, Roger chegou a dizer que o volante tricolor Edinho precisaria de um revólver calibre 38 para matar uma bola. Flores também tem a mania de revelar detalhes dos bastidores e manhas de jogadores em campo, o que é muito mal digerido pela categoria.
Já o autoproclamado craque Neto arrumou encrencas com o goleiro Marcos, com Belletti (que se tornou um profissional bem melhor que ele nesse quesito), com o elenco do São Paulo, com o zagueiro Lúcio, com os próprios colegas de profissão (chamou-os de frouxos), etc. O caso dele com Belletti é um capítulo a parte. Já trabalhando pela Band nos jogos do Campeonato Espanhol, na época em que Ronaldinho Gaúcho, Giuly e Eto´o lideravam o esquadrão do Barcelona, Neto fazia questão de ser indelicado com Belletti. Cada vez que o meia pegava na bola, o comentarista fazia barulhos irônicos e muxoxos contrariados. A ação resultou em negação de entrevistas à emissora por parte do elenco do Barcelona. E a cereja do bolo são as violências que o ex-corintiano comete com a língua portuguesa. E pensar que essa prepotência é construída só com dois ou três anos de futebol acima da média no Corinthians.
Dois caminhões de demolição em um terreno que necessita de um veículo com mais jogo de direção. O telespectador precisa de mais poesia e menos gritaria em um jogo local que já é terra dizimada. 




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