Como um torcedor escolhe uma camisa que lhe servirá como parte da
identidade pelo resto da vida?
Em meados de 1981/1982, com o Brasil de Telê Santana espalhando as boas
novas do futebol arte pelo mundo, um garoto não tinha o direito de dizer que
não gostava do esporte. Caso fizesse isso, era considerado um pária pelos
outros meninos de seu convívio. Podia até não saber como driblar, passar ou
defender, mas a posição de goleiro sempre seria uma forma de o jogador inábil
confraternizar com o resto de seus camaradas. E tinha Zico, Sócrates, Falcão,
Leandro, Junior, Cerezo, Éder, Luizinho, Roberto Dinamite e outros mais. Com
exceção de Falcão, a essa altura já o Rei de Roma, esses jogadores atuavam em
clubes de ponta do futebol nacional. Isso gerava discussões em que a paixão pelo clube nos
fazia crer que Roberto Dinamite podia ser melhor que Zico, que Pedrinho (lateral-esquerdo
do Vasco) podia barrar Junior, o Capacete. Nunca. Mas o importante era a
batalha clubista. Ou seja, Telê devia escalar Paulo Sérgio (Botafogo) e Carlos (Ponte
Preta) porque eram bem melhores que o controverso Valdir Peres (São Paulo). Ou
podia ter feito uma forcinha e levado Acácio (Vasco) ou Paulo Victor (Fluminense).
Eu tinha uns seis anos por essa época. Era apaixonado por futebol como
todo moleque de minha idade. Colecionava álbuns de figurinhas, comprava as
revistas especializadas e defendia meus ídolos como se eu fosse gente grande.
Só que havia o interessante: eu não tinha um time do coração. Geralmente, as
crianças são conduzidas para determinado clube por conta do amor de seus pais.
Meu pai também não torcia por nenhum time. Ele tinha vindo do Nordeste do país,
e a fome e o trabalho eram necessidades bem maiores do que ver a bola deslizar
no gramado.
Isso mudou com a amizade com um gerente de uma loja vizinha. Era um
atleticano fanático. E fazia todo o sentido, pois o Galo tinha três jogadores
na seleção (todos eles titulares absolutos) e mais quatro selecionáveis no
elenco. Um timaço. Ele insistiu para que fôssemos ver uma partida contra outro
esquadrão da época, o Flamengo. Promessa de grande jogo. Fomos. E ele tinha o
hábito de ir ao ônibus do clube, para falar com os jogadores ao final das
partidas. Todos eles eram muito acessíveis e atendiam os torcedores pelo tempo
necessário na saída. Ainda não tinha chegado a época dos Rock Stars do campo. E
lá nós tínhamos o goleiro João Leite, o zagueiro Luizinho, o lateral Jorge
Mendonça, os atacantes Éder e Reinaldo. Com autógrafos nos bolsos e histórias
na cabeça, eu e meu pai viramos atleticanos. De camisa, bandeira e coração. O
problema era que nosso time não jogava muitas vezes no Rio. Ou melhor, não
jogava as vezes que nós desejávamos. Aí é que entra o Vasco, minha paixão
eterna e a instituição que me faz perder as estribeiras, seja com vitórias ou
derrotas. Sou capaz de chorar copiosamente com coisas bobas como um cântico ou uma
faixa informando que “O sentimento não pode parar” ao final de uma batalha na
série B de 2009.
Ainda sem essa ligação definida, somente pelo espetáculo, meu pai
resolveu me levar para assistir uma final de Campeonato Carioca, um Vasco x
Flamengo, em 1982. O Flamengo tinha um time infinitamente melhor que o Vasco,
que tinha chegado a finalizar o primeiro turno em um vergonhoso 7º lugar.
Antônio Lopes, o técnico vascaíno, chegou a trocar mais da metade do time para
obter alguma melhora. A melhora veio e o cruzmaltino chegou à final. A tarefa
que parecia impossível virou fato concreto em um cruzamento de Pedrinho Gaúcho
e a cabeçada do ponta-esquerda Marquinho, de apenas 1,60m. O arqueiro Raul
Plassmann, uma das referências da posição, acabou fuzilado pelo leve desvio,
abatido, agarrado a trave direita, que lhe serviu de consolo e apoio para os
flashes dos fotógrafos. Vasco campeão. Saí do Maracanã jurando amor eterno e
com uma fidelidade que persiste até os dias de hoje, apesar dos elencos fracos e
das administrações nefastas dos últimos anos. Sou Vasco incondicionalmente.
Xingo, quebro copo, arrebento pratos, digo que nunca mais assisto outra
vergonha daqueles, mas sempre volto. E sempre voltarei.
E a geração atual?
“Betinho, você é Vasco, Flamengo, Fluminense ou Botafogo?”, perguntei eu
a um garotinho muito querido de minha convivência.
“Não torço por time nenhum no Brasil, não, tio André. Eu sou Barcelona na
Espanha, Manchester City na Inglaterra, PSG na França, Milan na Itália...
Peraí, eu acho que prefiro a Juventus na Itália! Ajax na Holanda, Bayern na
Alemanha, Benfica em Portugal, Galatasaray na Turquia, Standard Liége na
Bélgica. E torço para o Boca Juniors da Argentina.”
“E seu pai?”
“Meu pai prefere vôlei. Ele diz que pelo menos os jogadores se matam por
causa dos gritos do Bernardinho. Não fazem corpo mole ou são mascarados como
esses caras do futebol.”
“E você não tem nenhuma simpatia pela seleção brasileira?”
“E dá para torcer por uma seleção em que o técnico é o Dunga, Gilmar ajuda
a convocar, e eu mal sei de onde surgiram certos jogadores, tio?”
Pois é, Betinho, seria preciso mais incentivo...
Você optou pelo melhor time e o da história mais fascinante so Brasil. É o time que os torcedores bancaram o estádio (por conta de uma perseguição) e estes mesmos torcedores, na época da segunda guerra mundial, doou dois aviões para a Fab. Somos gigantes porque somos os maiores mesmo !!!!
ResponderExcluirEsse fenômeno da escolha de times europeus pode ter duas origens. A primeira tem a ver com a diferença de mentalidade, causada pela necessidade de desempenho e de diferenciação que esses tempos digitais trouxeram. Torna-se muito mais legal o exótico, o diferentão, além do fato de não haver mais paciência. Tudo tem que ser imediato, assim é mais fácil torcer para um time que vai ter méritos com mais rapidez. Muito fácil ver o Barcelona ganhando títulos. A segunda possibilidade tem a ver com o encolhimento dos clubes brasileiros. Viramos os bobos do futebol. Não imagino uma criança ou adolescente sustentando uma torcida por times que não ganham, alguns como o nosso, apesar da linda história, importante para nós, não significa nada para quem tem necessidade de se destacar.
ResponderExcluirEsse fenômeno da escolha de times europeus pode ter duas origens. A primeira tem a ver com a diferença de mentalidade, causada pela necessidade de desempenho e de diferenciação que esses tempos digitais trouxeram. Torna-se muito mais legal o exótico, o diferentão, além do fato de não haver mais paciência. Tudo tem que ser imediato, assim é mais fácil torcer para um time que vai ter méritos com mais rapidez. Muito fácil ver o Barcelona ganhando títulos. A segunda possibilidade tem a ver com o encolhimento dos clubes brasileiros. Viramos os bobos do futebol. Não imagino uma criança ou adolescente sustentando uma torcida por times que não ganham, alguns como o nosso, apesar da linda história, importante para nós, não significa nada para quem tem necessidade de se destacar.
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