quarta-feira, 16 de março de 2016

Qual a hora de parar?


Francesco Totti dedicou uma vida inteira ao seu clube de coração, o Roma. A estreia veio aos 16 anos, contra o Brescia, em 1993. Apesar dos interesses de Lazio, Milan, Sampdoria, Benfica e Real Madrid, o italiano nunca quis vestir outra camisa que não fosse a do clube da capital. Atuando até hoje, a seis meses de completar quarenta anos, o jogador atingiu uma marca superior aos 300 gols e é o segundo maior artilheiro da história do Calcio.
Depois de repetidas lesões desde 2013, o meia vive entrando e saindo do time. A questão é que com o retorno do treinador Luciano Spalletti (Foi o técnico no período de 2005 a 2009), um antigo desafeto, ao comando da Roma, Totti perdeu de vez seu espaço no clube. A prova maior disso foram os sofridos três minutos finais da partida contra o Real Madrid, em que Totti permaneceu como opção entre os suplentes. Desacostumado com tal situação, o atleta usou a imprensa para reclamar dos métodos do comandante e acabou sendo preterido dos jogos. Deve se aposentar melancolicamente ao fim dessa temporada, mas tinha contrato para disputar mais uma. Francesco podia ter pensado somente em si e ter encerrado sua carreira no auge? Sem dúvida.
Raul González é o jogador com mais partidas com a camisa do Real Madrid e o segundo maior artilheiro da seleção espanhola. Atuou por dezessete anos e fez 741 partidas pelos merengues. O nível de relação com a torcida era tão bom que ela fingiu que não viu quando seu ídolo entrou em curva decadente e começou a agonizar em público. Em vez de reconhecer a queda física e técnica do craque, os fanáticos preferiram voltar suas cargas para os técnicos que negaram a titularidade ao astro. Nomes como Vanderlei Luxemburgo, Manuel Pellegrini e José Mourinho sofreram a ira da turba madridista. O português ainda conseguiu convencer os dirigentes da necessidade de uma negociação do astro. Sem o mesmo brilho de antes, ele teve uma passagem razoável pelo Schalke 04, onde marcou gols decisivos, e depois seguiu para encher os bolsos no Al-Sadd, do Qatar, e, por fim, foi encerrar a carreira no americano New York Cosmos.
Rogério Ceni é considerado o maior jogador da história do São Paulo. É um dos raros casos atuais de identificação de um atleta com a camisa de um clube. Com o manto tricolor, o goleiro fez defesas importantíssimas e marcou gols de valor inestimável. Quando decidiu parar, em 2015, aos 42 anos, oscilava contusões e falhas incomuns para um especialista de sua qualidade. O tempo excedente acrescentou algo ao currículo do chamado M1TO?
O que leva um jogador profissional de sucesso a tentar estender indefinidamente sua carreira? O dinheiro? É sabido que uma carreira dura muito pouco e é preciso saber investir, tentar guardar o máximo, o que nem todos sabem fazer, para ter uma aposentadoria relaxada. A necessidade do pé de meia explica o êxodo de tantos jogadores em boa forma para a China, a Índia, o Qatar, o Japão, que são centros que fornecem estabilidade financeira e perda de credibilidade nas convocações das seleções.
Será o tratamento de semideuses oferecido pelos torcedores e pela mídia? É possível que o ego seja mais sensível aos refletores dos estádios e ao espocar das câmeras e queira sustentar as pernas no lugar dos músculos. Ao se despedir do Flamengo para jogar no futebol americano, Leonardo Moura disse algo sobre a falta que lhe faria os gritos da torcida rubro-negra no dia seguinte. Talvez por isso o amanhã seja tão adiado.
Em 2013, Pelé declarou que não defendeu o Brasil na Copa da Alemanha, em 1974, apesar de ter se despedido do Santos e estar bem fisicamente, porque queria protestar contra os malefícios da ditadura do Governo Geisel. Oras, se queria protestar, por que o maior jogador de todos os tempos não escolheu 1970 para fazer tal coisa? Prefiro acreditar que Pelé preferiu não arriscar seu prestígio com um grupo que sofria renovações com relação ao elenco tricampeão do mundo. Ele já era o maior de todos e já tinha empilhado todos os tipos de conquistas. Melhor fez do que o Garrincha de 1966, que foi a Inglaterra e já não era mais o Mané das pernas tortas e dos dribles desconcertantes.
Depois de ter vencido títulos importantes com o Flamengo e vivido anos de bom futebol na Itália, Leovigildo Gama, o Maestro Junior, resolveu voltar ao rubro-negro carioca, em 1989, para atender a um pedido do filho, que nunca tinha o visto em ação. Não só satisfez a solicitação de seu garoto, como amealhou mais uma Copa do Brasil, um Carioca e um Campeonato Brasileiro em sua passagem de três anos. Apesar das requisições para a permanência, Junior preferiu parar em alta.
Embora os joelhos em frangalhos não oferecessem mais suporte, Zico, outro ídolo flamenguista, foi mais um que conseguiu encerrar muito bem a sua história e ainda dar lições no Japão.
Outro motivo para a permanência em campo é a perseguição de um objetivo. Romário e Túlio se mantiveram em atividade pelo gol mil. Driblando contas oficiais e arriscando as próprias histórias, eles chegaram lá. Credor do Vasco, o baixinho foi patrocinado por Eurico Miranda e por uma série de esquemas que se voltavam para tornar a cobiça de Romário e as necessidades do cruzmaltino; já o atacante Túlio rastejou por mais 20 clubes pequenos antes de dar o seu caso por encerrado.
Todos com passagens pela seleção brasileira, Muller(50 anos), Donizete(47 anos), Amaral(43 anos) são casos de jogadores que tentaram ou ainda tentam a sorte, sem maior cartaz, nos campos esburacados das divisões inferiores e nas infraestruturas frágeis de microtimes. O renomado goleiro Dida também voltou a jogar e essa volta não foi muito digna de notas positivas. Zé Roberto, também com atuações pela seleção e por clubes grandes do mundo, é a exceção a esse questionamento. O lateral e meia palmeirense parece desafiar o tempo.
Qual a motivação depois de já ter levantado todos os tipos de taça? Como saber escutar o despertador biológico e saber diferenciar o que foi sonho da realidade do despertar? Qual a hora certa de parar de jogar futebol?

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